quarta-feira, 29 de julho de 2009

Transporte Escolar 261

Se muita saudade e muitas lembranças eu trago comigo dos tempos de Ensino fundamental (não posso dizer ''tempos de escola'' porque embora eu já esteja no último ano, eu ainda estou nele) a maior delas é a de andar de transporte escolar... simplificando, a maior delas é andar de PERUA.
Quando eu tinha 2, 3 e 4 anos, meu vô e minha vó me levavam para a 'escolinha' (o maternal). Quando eu saí de lá, vinha de carro com meus tios e meu primo que até então estudava comigo. Depois que ele saiu, minha mãe sempre preocupada e sempre prezando nossa segurança, chegando a ter um pé atrás com motoristas homens ou pessoas que aparentassem insanidade (- Coloque o cinto! de repente ela acelera, faz uma curva ou freia e você se machuca, aí quero ver! Cuidado, cuidado, cuidado!) me colocou na ''Perua da tia Beth''. Falando assim parece até título de livro infantil, mas era assim que chamávamos. Nas épocas boas dessa minha antiga escola, antes dela beirar a falência, sentávamos todos nos bancos na hora da saída: uns em bancos, outros em pé, o importante era apenas estar enfileirado, em ordem. E a diretora ficava de pé, lá na frente, com um microfone dourado (se não me falha a memória), toda feliz, como se fosse uma apresentadora de programa de auditório. E a cada carro, pai, mãe, vô, tio, tia, cachorro ou papagaio que chegasse, ela chamava:
- Fulaninho! Sua mãe está aqui! - e lá vinha o fulaninho arrastando aquela mala de carrinho pelo chão áspero, fazendo um barulho perturbador. Mas, como nós da perua éramos em muitos, ela dizia apenas ''Perua da tia Beth'' (e repetia, como se as crianças fossem surdas) ''Perua da tia Beth''... e assim ficou. A tia Beth era um ser estranho, coitada. Devia ter lá uns 49, 50tões, era bem pequena e tinha uma cabeleira absurda de grande, que ia até o bumbum, mas para não aparentar uma crente, ela vivia com uma trança, um camisetão e uma calça jeans... A verdade é que a minha mãe passaria mal se assistisse o que nós fazíamos na perua, contrariando tudo o que ela avisou. Não usávamos cinto de segurança, ficávamos sentados de cabeça pra baixo apoiando os pés na grade no fundo da perua, (e assim batíamos a cabeça no banco a cada lombada), gritávamos que nem macacos foragidos do zoológico (isso é bem sério), passávamos por debaixo dos bancos num espaço miúdo, dormíamos com o pé esticado, escrevíamos, fazíamos o jogo de contar fuscas, ficávamos em pé atrás dela para conversar, enfim, era uma festa, eu chegava em casa com o uniforme imundo, como se tivesse voltado de uma guerra. A ''auxiliar'' dela, era sua filha, eu não me lembro o nome dela, mas coitada, era a coisinha mais feia que eu já vi... Ela era super simpática, mas parecia que alguém tinha estourado um saco de pipoca na cara dela... eram muitas espinhas, ela vivia de chinelo, moletom e cabelo preso, e toda vez que elas me deixavam na casa da minha tia e meu primo estava na porta, ela dizia ''Quando você vai me apresentar o seu primo hein? Hahahaha''. Eu lembro que no começo da 'Era da tia Beth' eu ia calada com a minha irmã, sem dizer um pio, porque eu me sentia indefesa sendo a única criança de seis anos em meio a uns meninos escrotos da quarta série que falavam palavrão e gritavam uns com os outros, e pra piorar ainda mexiam comigo, que saía da perua muito brava, com o meu vô me pegando no colo e eu gritando com eles, para pararem ''de falar comigo!!!!''. Mas depois todos eles saíram e eu falava mais que a boca, fazia milhõões de perguntas pra tia Beth, sobre o tempo, as ruas, os carros, sobre o por quê ela não cortava o cabelo e como ela fazia para pentear. Essa mulher vai para o céu porque ela implorava de joelhos para que nós parássemos de gritar, de provocar os outros na rua, de ofender a gordinha chamada Mariana, enfim... O tempo foi passando e a tia Beth um dia resolveu abandonar essa vida de dirigir a Combi com crianças malucas e minha mãe ficou um pouco perdida... Mas a tia Beth não nos deixou na mão e sugeriu um amigo dela, o Tio Carlos (era uma família de tios). E lá fui eu, calada novamente, porque aquele Tio era novo, era homem, parecia bravo e eu tinha vergonha de falar com ele... E assim fomos indo, ele puxava um assunto, eu respondia e acabou. Ele era o oposto da tia Beth: a gente não gritava e não passava mais por debaixo dos bancos (até porque não havia mais espaço) e ele era bravo com quem devia, mas era um amor comigo e com a minha irmã... dizia sempre que éramos lindas e educadas! Tinha um japonês nanico, respondão e inquieto que foi expulso. E era assim que a gente respeitava... Fiquei muitos anos lá, desde a quarta série (acho) até a oitava. Íamos ouvindo Pânico na rádio e voltávamos ouvindo o Na Balada Jovem Pan de 2002. Vi a perua mudar várias vezes, de uma Besta para alguma que não sei o nome, mas cada vez melhor, espaçosa e confortável. Vi ela quebrar várias vezes também e se não íamos no carro dele, íamos com outro Tio... Depois passei a estudar de manhã e ia ouvindo o Pulo do gato na rádio Bandeirantes e os comentários sobre futebol com o Milton Neves... e são essas as lembranças que eu tenho. O auxiliar do tio Carlos era o filho dele também, o Caio, um menino nojento que mal olhava na nossa cara e só servia para dar trabalho ao tio, que não merecia isso (outro que vai para o céu). Depois do Caio veio a Patrícia, que ficou lá até engravidar, ser expulsa de casa e ter que arranjar outro emprego (outro dia eu a vi, loira, trabalhando na Renner).
Até que um dia, novamente, como nada dura para sempre, o tio Carlos apareceu com uma auxiliar chamada Rose... Simpática, não cheirava nem fedia. E as mudanças foram acontecendo... De repente tínhamos um DVD na perua (que vivia passando o mesmo filme, senão o show do Charlie Brown Jr ou o show ''Divas'' de 1999, com a CHER, a Whitney Houston e outras esquecidas). E terminou com a Rose substituindo o tio Carlos, afinal ela estava lá para isso. Quando aconteceu, eu já estava na oitava série, seria meu último ano indo de perua e eu não sei se eu estava mais triste por saber que eu nunca mais iria ter aquele conforto ou se nunca mais veria o tio Carlos. Pode parecer (muito) estranho, mas você convive com a pessoa há anos, sabe? Mesmo que não seja seu amigo, não frequente sua casa, é uma sensação estranha de saber que de repente acabou... que eu nunca mais entraria pela porta que eu não tinha força pra abrir, encostaria na janela e tiraria um cochilo, ou viria conversando, ouvindo o DISCMAN da minha amiga - hahaha - não observaria mais as paisagens, nem veria o resto das pessoas que iam comigo. A partir dali, somente a minha irmã continuaria indo. (e olha que eu relato tudo isso no ano em que ela vai se formar e também sairá da perua!)
Um dia, já no primeiro ano do Ensino médio, fiquei sabendo que o tio Carlos perdeu a esposa, e junto com ela, o bebê que ia nascer... Fiquei muito triste por ele, que estava tão feliz e havia deixado a perua porque tinha planos maiores pra si. É triste ver como as coisas se destroem num piscar de olhos... Tenho saudade dessa época e daquele clima (ainda que eu pulei muitas coisas para poder resumir aqui, havia ainda um terceiro perueiro perdido nesses anos). Vez ou outra ainda me pego dentro do ônibus, agora em meio a um monte de desconhecidos que não pensam em cantar, gritar, ou passar por debaixo dos bancos, e me pergunto: ''cadê os tios''?

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