segunda-feira, 3 de agosto de 2009

04:55 am

Tenho o hábito de dormir muito tarde desde a oitava série. De pequena, eu implorava a minha mãe que me deixasse terminar de assistir Tom e Jerry antes de ir pra cama (acabava às dez horas, eu me lembro). E então com o passar dos anos, passei a dormir depois da novela, depois do que vinha após a novela, e assim foi até eu nunca mais sentir sono antes da uma hora da madrugada, pelo menos. Se o meu relógio biológico fosse como esses de parede, instalado dentro do meu corpo, por baixo da carne, ele seria podre, totalmente desregulado, e os ponteiros girariam ao contrário. Por mais que eu deteste isso (fico mal acostumada e me atrapalha em tudo: na fome, nos estudos, nas coisas que eu poderia fazer de manhã cedo como simplesmente aproveitar o dia e dormir à noite como 79% dos seres humanos e também na cara de cansaço que vem depois) bom, por mais que eu deteste, eu adoro ao mesmo tempo... Eu gosto de aproveitar a madrugada como se eu fosse um rato dentro do buraco, esperando o gato ir embora pra poder sair e fazer minhas coisas (citando Tom e Jerry de novo, mas agora inconscientemente).
Quando eu abro a janela do quarto, é interessante como a rua parece outro mundo. Até as três, quatro da manhã, ainda ouço o homem que vem fuxicar o lixo derrubando garrafas de vidro e sacolas, ouço os carros passando e a conversa das pessoas, mas depois disso, o silêncio é quase absoluto... se eu me concentrar, juro que consigo até sentir o cheiro da madrugada. E no natal é melhor ainda, mas esse é um detalhe à parte, para outro dia. É como se eu conseguisse sentir que estão todos em casa, todos dormindo: as mocinhas da padaria, o açougueiro, as manicures, as crianças irritantes do prédio em frente, os bêbados do bar ao lado de onde moram as crianças irritantes, e até os cachorros que latem o dia inteiro... todos quietos. Os semáforos mudam de cor para carro nenhum passar. A rua é deserta e é nessa hora que eu me sinto sozinha (não no sentido ruim). Posso ouvir minhas músicas em paz, pensar e escrever. O telefone não toca, o interfone não toca (e o cara do gás não aperta o mesmo botão 3 vezes), não escuto passos, a vizinha não conversa gritando com ela mesma (como pode isso?) e a única pessoa que poderia estar vendo televisão ou fazendo barulho sou eu. Posso tomar banho tranquila sem que ninguém grite ''SAI DAÍ LOGO!''.
Sem contar quando chove, que aí nem o cara que fuxica o lixo quer dar as caras, e eu fico só olhando a chuva, como se estivesse assistindo a um filme...
São nessas horas que eu me sinto mais acordada e disposta a fazer as coisas. Uma vez já pensei até em fazer faxina às três horas da manhã, mas aí já era querer tirar água de pedra ou pedir para tomar uma bofeta se alguém acordasse.
Pode parecer estranho dependendo da maneira que se encara, mas para mim é a melhor hora: Depois que os carros com o som alto passam e o cara que fuxica o lixo aparece e antes que a claridade surja com o caminhão do lixo passando e o lixeiro gritando ''AÊ!''. Essa é a melhor hora.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Transporte Escolar 261

Se muita saudade e muitas lembranças eu trago comigo dos tempos de Ensino fundamental (não posso dizer ''tempos de escola'' porque embora eu já esteja no último ano, eu ainda estou nele) a maior delas é a de andar de transporte escolar... simplificando, a maior delas é andar de PERUA.
Quando eu tinha 2, 3 e 4 anos, meu vô e minha vó me levavam para a 'escolinha' (o maternal). Quando eu saí de lá, vinha de carro com meus tios e meu primo que até então estudava comigo. Depois que ele saiu, minha mãe sempre preocupada e sempre prezando nossa segurança, chegando a ter um pé atrás com motoristas homens ou pessoas que aparentassem insanidade (- Coloque o cinto! de repente ela acelera, faz uma curva ou freia e você se machuca, aí quero ver! Cuidado, cuidado, cuidado!) me colocou na ''Perua da tia Beth''. Falando assim parece até título de livro infantil, mas era assim que chamávamos. Nas épocas boas dessa minha antiga escola, antes dela beirar a falência, sentávamos todos nos bancos na hora da saída: uns em bancos, outros em pé, o importante era apenas estar enfileirado, em ordem. E a diretora ficava de pé, lá na frente, com um microfone dourado (se não me falha a memória), toda feliz, como se fosse uma apresentadora de programa de auditório. E a cada carro, pai, mãe, vô, tio, tia, cachorro ou papagaio que chegasse, ela chamava:
- Fulaninho! Sua mãe está aqui! - e lá vinha o fulaninho arrastando aquela mala de carrinho pelo chão áspero, fazendo um barulho perturbador. Mas, como nós da perua éramos em muitos, ela dizia apenas ''Perua da tia Beth'' (e repetia, como se as crianças fossem surdas) ''Perua da tia Beth''... e assim ficou. A tia Beth era um ser estranho, coitada. Devia ter lá uns 49, 50tões, era bem pequena e tinha uma cabeleira absurda de grande, que ia até o bumbum, mas para não aparentar uma crente, ela vivia com uma trança, um camisetão e uma calça jeans... A verdade é que a minha mãe passaria mal se assistisse o que nós fazíamos na perua, contrariando tudo o que ela avisou. Não usávamos cinto de segurança, ficávamos sentados de cabeça pra baixo apoiando os pés na grade no fundo da perua, (e assim batíamos a cabeça no banco a cada lombada), gritávamos que nem macacos foragidos do zoológico (isso é bem sério), passávamos por debaixo dos bancos num espaço miúdo, dormíamos com o pé esticado, escrevíamos, fazíamos o jogo de contar fuscas, ficávamos em pé atrás dela para conversar, enfim, era uma festa, eu chegava em casa com o uniforme imundo, como se tivesse voltado de uma guerra. A ''auxiliar'' dela, era sua filha, eu não me lembro o nome dela, mas coitada, era a coisinha mais feia que eu já vi... Ela era super simpática, mas parecia que alguém tinha estourado um saco de pipoca na cara dela... eram muitas espinhas, ela vivia de chinelo, moletom e cabelo preso, e toda vez que elas me deixavam na casa da minha tia e meu primo estava na porta, ela dizia ''Quando você vai me apresentar o seu primo hein? Hahahaha''. Eu lembro que no começo da 'Era da tia Beth' eu ia calada com a minha irmã, sem dizer um pio, porque eu me sentia indefesa sendo a única criança de seis anos em meio a uns meninos escrotos da quarta série que falavam palavrão e gritavam uns com os outros, e pra piorar ainda mexiam comigo, que saía da perua muito brava, com o meu vô me pegando no colo e eu gritando com eles, para pararem ''de falar comigo!!!!''. Mas depois todos eles saíram e eu falava mais que a boca, fazia milhõões de perguntas pra tia Beth, sobre o tempo, as ruas, os carros, sobre o por quê ela não cortava o cabelo e como ela fazia para pentear. Essa mulher vai para o céu porque ela implorava de joelhos para que nós parássemos de gritar, de provocar os outros na rua, de ofender a gordinha chamada Mariana, enfim... O tempo foi passando e a tia Beth um dia resolveu abandonar essa vida de dirigir a Combi com crianças malucas e minha mãe ficou um pouco perdida... Mas a tia Beth não nos deixou na mão e sugeriu um amigo dela, o Tio Carlos (era uma família de tios). E lá fui eu, calada novamente, porque aquele Tio era novo, era homem, parecia bravo e eu tinha vergonha de falar com ele... E assim fomos indo, ele puxava um assunto, eu respondia e acabou. Ele era o oposto da tia Beth: a gente não gritava e não passava mais por debaixo dos bancos (até porque não havia mais espaço) e ele era bravo com quem devia, mas era um amor comigo e com a minha irmã... dizia sempre que éramos lindas e educadas! Tinha um japonês nanico, respondão e inquieto que foi expulso. E era assim que a gente respeitava... Fiquei muitos anos lá, desde a quarta série (acho) até a oitava. Íamos ouvindo Pânico na rádio e voltávamos ouvindo o Na Balada Jovem Pan de 2002. Vi a perua mudar várias vezes, de uma Besta para alguma que não sei o nome, mas cada vez melhor, espaçosa e confortável. Vi ela quebrar várias vezes também e se não íamos no carro dele, íamos com outro Tio... Depois passei a estudar de manhã e ia ouvindo o Pulo do gato na rádio Bandeirantes e os comentários sobre futebol com o Milton Neves... e são essas as lembranças que eu tenho. O auxiliar do tio Carlos era o filho dele também, o Caio, um menino nojento que mal olhava na nossa cara e só servia para dar trabalho ao tio, que não merecia isso (outro que vai para o céu). Depois do Caio veio a Patrícia, que ficou lá até engravidar, ser expulsa de casa e ter que arranjar outro emprego (outro dia eu a vi, loira, trabalhando na Renner).
Até que um dia, novamente, como nada dura para sempre, o tio Carlos apareceu com uma auxiliar chamada Rose... Simpática, não cheirava nem fedia. E as mudanças foram acontecendo... De repente tínhamos um DVD na perua (que vivia passando o mesmo filme, senão o show do Charlie Brown Jr ou o show ''Divas'' de 1999, com a CHER, a Whitney Houston e outras esquecidas). E terminou com a Rose substituindo o tio Carlos, afinal ela estava lá para isso. Quando aconteceu, eu já estava na oitava série, seria meu último ano indo de perua e eu não sei se eu estava mais triste por saber que eu nunca mais iria ter aquele conforto ou se nunca mais veria o tio Carlos. Pode parecer (muito) estranho, mas você convive com a pessoa há anos, sabe? Mesmo que não seja seu amigo, não frequente sua casa, é uma sensação estranha de saber que de repente acabou... que eu nunca mais entraria pela porta que eu não tinha força pra abrir, encostaria na janela e tiraria um cochilo, ou viria conversando, ouvindo o DISCMAN da minha amiga - hahaha - não observaria mais as paisagens, nem veria o resto das pessoas que iam comigo. A partir dali, somente a minha irmã continuaria indo. (e olha que eu relato tudo isso no ano em que ela vai se formar e também sairá da perua!)
Um dia, já no primeiro ano do Ensino médio, fiquei sabendo que o tio Carlos perdeu a esposa, e junto com ela, o bebê que ia nascer... Fiquei muito triste por ele, que estava tão feliz e havia deixado a perua porque tinha planos maiores pra si. É triste ver como as coisas se destroem num piscar de olhos... Tenho saudade dessa época e daquele clima (ainda que eu pulei muitas coisas para poder resumir aqui, havia ainda um terceiro perueiro perdido nesses anos). Vez ou outra ainda me pego dentro do ônibus, agora em meio a um monte de desconhecidos que não pensam em cantar, gritar, ou passar por debaixo dos bancos, e me pergunto: ''cadê os tios''?

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Feriado da Aline

Eu sempre fui meio egocêntrica (não sei se ''meio'' é a medida exata, mas levando em conta que eu não sei medir características minhas em frações, décimos, porcentagem - ou seja lá o que for - sem uma referência, e sabendo que existem pessoas mais egocêntricas e menos egocêntricas do que eu, acredito que ''meio'' esteja ótimo). Voltando: e isso sempre me fez acreditar que todo dia sete de agosto é o dia da Aline Soares, que mora em Santos, no prédio Capivari. Sim, soa patético quando se lê de primeira, mas eu tenho certeza que não devo ser a única no mundo que pensa dessa forma. Não que eu espere passar meus setes de agosto sentada num trono com duas pessoas me abanando com folhas de bananeira, e uma outra pessoa segurando um cacho de uvas enquanto eu como uma por uma, e uma outra pessoa fazendo minhas unhas dos pés, enquanto alguma lá em cima cuida das minhas mãos, e uma sexta pessoa segura os pepinos em volta dos meus olhos e passa um creme em volta do meu rosto... NÃO, não que eu espere tudo isso (mesmo que eu tenha dado um breve suspiro agora imaginando como seria), mas eu sinto como se o dia fosse totalmente meu.
Milhões de bebês vem ao mundo todos os dias, seja ele filho de uma mãe milionária dentro de um hospital luxuoso, ou filho de uma coitada que pare debaixo da ponte, portanto não há razão para eu pensar que fui um nascimento milagroso ou especial (especial apenas para a qual eu saí de dentro!). Não há razão para eu me sentir tão tão tão... (vou ter que repetir a palavra) especial. Não fui separada da cabeça da minha irmã numa cirurgia pioneira e delicada, não sobrevivi a uma grave doença, não sou um gênio, não sou o astro do pop e nem o rei do futebol. E mesmo assim sinto que devia fazer sol em todo sete de agosto, que o café da manhã deveria ser feito com muito cuidado para mim, que ao sair de casa as pessoas na rua deveriam passar e dizer:
- Aline! Hoje é seu aniversário! PARABÉNS! - ''parabéns'', como se eu tivesse conquistado algo glorioso além de mais um ano de vida - e assim eu andaria até chegar ao ponto de ônibus onde as mesmas caras que vejo todos os dias, mudariam a expressão de noite mal dormida e abririam um largo e sincero sorriso quando me vissem... como se fossem meus amigos próximos e não me vissem há anos. E gritariam meu nome e me dariam abraços. O ônibus passaria como em qualquer dia comum, mas hoje o motorista enxergaria de longe minha mãozinha apontando e já estaria sorrindo enquanto eu piso no primeiro degrau, e com a atenção dividida entre o trânsito e a mim, me desejaria felicidades (e se posso viajar tão longe com isso tudo, também posso querer que ele simplesmente me deixe, nem que fosse apenas neste dia, andar de graça). Na escola, desde os porteiros até os professores, todos me olhariam diferente, como se eu tivesse conseguido o óscar que eles assistiram na televisão, ou tivesse feito uma participação especial no capítulo de ontem da novela... e assim eu seguiria o dia, todos seriam bondosos e carinhosos, ofereceriam o lanche (quanta simplicidade, ofereceriam o dinheiro dentro do bolso mesmo), me levariam a lugares especiais para comemorar a minha chegada ao mundo, uma entre... bilhões (não sei em quantos somos). Eu me sentiria uma estrela, quem sabe até ganharia um feriado em minha homenagem e o negócio viraria mundial... choveriam mensagens de vários cantos do mundo me parabenizando. Claro que eu voei alto agora, além do mais, todo esse glamour acabaria no primeiro minuto do dia oito de agosto.

- Acorda!

Hoje, exatamente às... bom, eu não sei que horas eram. Deviam ser aproximadamente... hã... na verdade acho que nem consigo dar uma estimativa, mas o fato é que eu estava dormindo e meu avô ligou avisando que passaria aqui às 16h. Desliguei e nem me lembro se deixei o telefone jogado ali na cama mesmo, ou se levantei para colocá-lo na base... Voltei a dormir, e de repente escuto uma voz estranha, grave e escandalosa, que chegava mais perto e abria a janela brutalmente... era o meu vô, que decidiu vir com (muitas) horas de antecedência. Por mais que eu estivesse tomada pelo sono, eu estava sã e sabia que não havia se passado nem uma hora desde a hora em que ele ligou. Por que ele faz isso? Abriu a janela, gritou pelo meu nome diversas vezes (graças a Deus não me lembro desta parte, apenas fiquei sabendo), me deu uma bronca por estar dormindo (o combinado não era às 16h?) e jogou por cima de mim uma manta (um cobertor, vai) vermelha e xadrez. Não sei se isso foi um sinal de desistência, só sei que após isso ele foi embora. Mais tarde, já acordada, cheirei a manta, assim como faço com qualquer roupa, seja do corpo ou de cama, e obviamente ela irá ser lavada, mas o cheiro não é ruim. Não mesmo. Aliás o cheiro é exatamente o do apartamento dele... cheiro do sofá, da sala, de lá. Não vou mentir dizendo ''é cheiro que traz lembrança'' só para deixar essa história sem finalidade alguma mais bonita, porque não me trouxe nada, a não ser uma sensação gostosa do quentinho e conforto... À noite me envolvi nela, e fiquei ali assistindo televisão, e ao vir pro quarto, a trouxe comigo, e ao sair dele, levei-a comigo e assim foi até eu levantar para fazer xixi (sem ela, obviamente) e sentir como se estivesse desabrigada, sem teto. ''Que frio do krl!'' só consegui pensar isso.
Amanhã a manta-cobertor ''vai-para-lavar'' como eu costumo dizer.